Pride Tape: entenda a cronologia da proibição do arco-íris na NHL

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Antes do início da temporada 2023-24, a NHL atualizou as diretrizes para noites temáticas, incluindo a proibição do uso da fita adesiva colorida com as cores do arco-íris para as noites de orgulho. 

Presente em mais de quarenta países, a Pride Tape é uma organização sem fins lucrativos que também adorna os tacos dos jogadores da NHL em noites temáticas, como as noites do Orgulho. Quase uma década depois, o que começou como uma iniciativa de inclusão para combater as consequências da homofobia no esporte vem sofrendo restrições da parte da NHL: em memorando do dia 10 de outubro, Gary Bettman reforça a repressão dos adereços e acessórios temáticos que simbolizavam um espaço seguro para todos. 

ORIGENS DA PRIDE TAPE

Em entrevista ao veículo Sportsnet, o co-fundador Dr. Kristopher Wells explicou as origens de sua organização, falando que começaram “com hóquei, porque o hóquei faz parte do DNA de Edmonton e está em nosso quintal. Somos uma cidade de hóquei, não é? E as pessoas prestam atenção ao time de hóquei”. Quem usou a fita de arco-íris pela primeira vez foi o então capitão dos Edmonton Oilers, Andrew Ference, em 2016.

Ference, por sua vez, foi incentivado por um colega de hóquei mirim a usar a fita como demonstração de apoio. O amigo se afastou do esporte e largou os treinos de hóquei no início da puberdade, pois a falta de acolhimento o levou a acreditar que não seria bem-vindo. Wells reforça que “atletas têm privilégio e poder para serem modelos a serem seguidos”. 

NHL lifts ban on rainbow-colored Pride Tape

Um taco com fita de arco-íris antes de um jogo entre Dallas Stars e Pittsburgh Penguins em dezembro de 2022. Reprodução/Joe Sargent/NHL via Getty Images

Em um esporte em que cada vez mais jogadores gays e bissexuais abandonam os treinos devido ao estigma social de suas identidades, a Pride Tape quis remediar essas estatísticas a partir da visibilidade de seus símbolos. Os espetáculos da noite do Orgulho, assim como os das noites de Ancestralidade e do Hockey Fights Cancer (Hóquei Contra o Câncer), visavam promover a inclusão de demográficas marginalizadas — atualmente, o primeiro jogador abertamente gay sob contrato com uma equipe da NHL é o Luke Prokop, um prospecto do Nashville Predators que ainda não estreou no time principal. Até então, a fita de arco-íris se estabeleceu como uma forma de demonstrar apoio e fortalecer uma comunidade desalojada pelo conservadorismo. 

CONTROVÉRSIAS INICIAIS

Em 17 de janeiro, o defensor Ivan Provorov do Philadelphia Flyers estampou as manchetes ao se recusar a vestir os uniformes do Orgulho, citando razões religiosas. O jogador esquivou-se dos aquecimentos durante a noite do orgulho, onde seus colegas de time usavam as jerseys coloridas temáticas e seus tacos eram envoltos em fita Pride com as cores do arco-íris. 

“Eu respeito a todos e respeito às escolhas de todos. Minha escolha é permanecer fiel a mim mesmo e à minha religião. Isso é tudo que vou dizer”, disse Provorov após o jogo, quando também afirmou se identificar como católico ortodoxo russo. 

A decisão foi apoiada pelo treinador de seu time, John Tortorella, que redobrou a declaração de que a celebração interferia com a fé do Provorov, “com o Provy, ele está sendo verdadeiro consigo mesmo e com sua religião”, disse após o jogo.

Durante o mês de março (18), James Reimer, goleiro do San Jose Sharks, optou por não usar os uniformes da noite do Orgulho e pulou o aquecimento antecedendo seu jogo contra os New York Islanders. Reimer citou razões religiosas como propulsoras de sua decisão, “tenho fé em Jesus Cristo, que morreu na cruz pelos meus pecados e, em resposta, me pede para amar a todos e segui-Lo”. No entanto, apesar de reforçar que “acredita que toda pessoa possui valor” e que a comunidade LGBTQIA+ deve ser bem-vinda em todos os aspectos do esporte, o ímpeto para descartar a possibilidade de vestir a jersey temática foi de que, enquanto a fita Pride não era tão “evidente”, começou a refletir sobre endossar algo que vai contra suas convicções pessoais, “baseadas na Bíblia, a mais alta autoridade em [sua] vida”. 

Apesar dos dois casos serem os principais noticiados, não foram os únicos. O Minnesota Wild como um time abdicou das jerseys do orgulho, assim como o New York Rangers, que voltaram num combinado e não usaram os acessórios durante sua Pride Night. A organização dos Chicago Blackhawks expressou que os jogadores não usariam as jerseys em decorrência da segurança dos que possuíam afiliações russas. O técnico Luke Richardson disse que não acredita “que podemos controlar os problemas do mundo, então isso está fora de nossas mãos.”. 

UNIFORMES DE INICIATIVAS ESPECIAIS SÃO UMA DISTRAÇÃO

Em junho, Gary Bettman, comissário da NHL, disse que a Liga Nacional de Hóquei não utilizará mais uniformes especiais durante o aquecimento para a Pride Night ou para quaisquer noites temáticas no futuro. 

Em entrevista ao Sportsnet, Bettman reforça que “seria apropriado para os clubes não mudarem suas camisas nos aquecimentos, pois isso se tornou uma distração e está tirando o foco do fato de que todos os nossos clubes, de alguma forma, realizam noites em homenagem a diversos grupos ou causas. Preferiríamos que essas iniciativas continuassem recebendo a atenção adequada que merecem, sem serem uma distração.”. 

Em análise final, Bettman completa que, “toda a ênfase e os esforços da importância dessas várias causas foram minados pela distração de quais times, quais jogadores [escolheram não utilizar as jerseys]. Dessa forma estamos mantendo o foco no jogo e, nessas noites especiais, estaremos focados na causa.”. 

No decorrer da temporada, diversos jogadores enfrentaram críticas do público diante de suas decisões de abdicar ou de denunciar o uso dos uniformes do orgulho. Ainda que existam jogadores que priorizam a inclusão de comunidades marginalizadas, a questão que preocupa o público é de que a exclusão desses atos simbólicos represente uma regressão de valores por todo o esporte. 

O momento não poderia ser menos oportuno. Em setembro, de modo paralelo, a situação escalou para que grupos conservadores de extrema-direita e anti-trans organizassem marchas para “combater a ideologia de gênero nas escolas”. O comício do #1MillionMarch4Children (Um Milhão Marcham Pelas Crianças) visa eliminar as temáticas de Orientação Sexual e Identidade de Gênero dos currículos escolares canadenses. 

No mais, o comissário esclarece que os uniformes do orgulho continuarão a ser vendidos, e os jogadores que optarem por usá-las são livres para fazê-lo.

A PROIBIÇÃO DA PRIDE TAPE 

Em outubro, as restrições foram atualizadas. Como confirmado por Bill Daly, vice-comissário da NHL, para a Associated Press, as diretrizes “reafirmam que os uniformes e equipamentos dos jogadores no gelo, durante os jogos, aquecimentos e treinos oficiais da equipe, não podem ser alterados para refletir noites temáticas, incluindo as do Orgulho, do Hóquei Contra o Câncer ou da Noite de Apreciação Militar. No entanto, os jogadores podem participar voluntariamente de celebrações temáticas fora do gelo.”.

Na noite de sábado (21), o defensor Travis Dermott, dos Arizona Coyotes, foi o primeiro jogador a desafiar abertamente as orientações da NHL, ao disputar contra os Anaheim Ducks com seu taco de hóquei envolto na fita arco-íris, onde os Yotes ganharam de 2 a 1. 

Dermott jogou apenas onze jogos pelos Vancouver Canucks em 2022-23 antes de ter sua temporada interrompida por uma concussão. Em postagem de março de 2022, o apoio já era evidenciado pelas redes: “Travis Dermott sempre mantém um pedacinho de fita de orgulho em seus tacos para mostrar continuamente seu apoio à comunidade 2SLGBTQIA+”.

https://twitter.com/Canucks/status/1506380201827004422 

No ano subsequente, assinou um acordo pelo valor mínimo de um ano e two-way, em que o salário é estipulado segundo a liga designada e as ligas menores e afiliadas são de remuneração inferior. O motivo pelo qual um defensor intermediário decidiu arriscar sua posição no elenco desafiando o mandato?

De acordo com o Global News, “Precisava ser feito. Eu estava disposto a lidar com qualquer consequência que viesse em meu caminho”, disse Travis. 

Em seguida, em resposta à postagem de março do ano passado, o Dr. Kristopher Wells foi às redes sociais para reconhecer o apoio: “Uma vez aliado, sempre aliado. Não importa o time. É o poder da mensagem. Obrigado, Travis!” 

Menos de 72 horas após a manifestação de Dermott, na terça-feira (24), nenhuma punição foi estipulada, mas o perfil de relações públicas da liga emitiu uma declaração. Após consultas com a Associação de Jogadores da NHL e a Coalizão de Inclusão de Jogadores da NHL, os jogadores agora podem optar por representar voluntariamente as “causas sociais” através da “fita simbólica”. 

O QUE VEM A SEGUIR? 

Dermott diz que o recado foi dado, já que atraiu atenção o suficiente para incitar uma mudança de diretrizes. No entanto, entende ser necessário cautela no futuro diante das regras de conduta para evitar o holofote negativo em seus colegas de esporte. 

“Posso dar um passo para trás e ver isso, sem dúvida, sem problema. Mas, ao mesmo tempo, seria ótimo se os jogadores ainda pudessem se expressar se quisessem. Seria ótimo se pudermos manter isso.”

Ter se tornado pai de primeira viagem alterou sua perspectiva. Segundo Dermott, seus pais sempre reforçaram a lição de que você precisa fazer o que puder para servir de bom exemplo às próximas gerações, e é esta lição que quer repassar para sua filha. 

“Mas sim, eu continuo aqui. A luta não acabou. Vamos continuar falando sobre isso. E se a liga não quiser abordar isso durante a carga horária da liga, então vamos encontrar outras maneiras.”

“Como atletas, nós temos uma plataforma incrível para propagar amor, e eu acho que se não estamos propagando esse amor, então o que diabos estamos fazendo?” 

Porém, no domingo (11), Logan Thompson, o goleiro do Vegas Golden Knights, foi impedido pela NHL de incluir um laço em apoio ao câncer no design de seu capacete. É o mês do Hockey Fights Cancer para a liga. Apesar das diversas declarações de apoio das figuras principais do esporte, como Connor McDavid e Morgan Rielly, a proibição foi rescindida por causa da manifestação de um jogador de apoio. As tensões aumentam entre uma liga que resiste ao ímpeto da mudança e uma nova geração de jogadores que visa deixar o esporte melhor do que como o encontraram. 

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